Daniel Antunes Júnior *
(Palestra proferida no IHGMG, em 01.12.2007)
Ocupando Cadeira nº 43, que nesta augusta Casa de João Pinheiro tem como patrono a figura insigne de Teófilo Benedito Ottoni, coube-me a honra de fazer o registro comemorativo do bicentenário do seu nascimento, ocorrido em 27.11.1807, na histórica e legendária Vila do Príncipe do Serro Frio.
Não podíamos deixar passar despercebida uma efeméride tão cara à consciência cívica do nosso Povo, pois o serrano ilustre foi uma figura marcante na formação cultural e política desta grande Nação.
Nenhum povo que se preza pode prescindir do culto à memória de seus antepassados, que deram exemplos edificantes de dignidade e retidão no trato da coisa pública, de respeito aos princípios de liberdade e democracia, e sobretudo de amor à Pátria.
Teófilo Ottoni, nume tutelar da nacionalidade brasileira, agora mais do que nunca, deve ser lembrado com reverência, para o resgate da honra e dos bons costumes políticos, hoje tão maculados por parlamentares corruptos e insaciáveis, que legislam em causa própria e se locupletam, deslavadamente, com o dinheiro do povo.
Para vergonha nossa, a corrupção em nosso País tem sido endêmica, envolvendo, além de outros, e com honrosas exceções, deputados e senadores - os príncipes da República - que se julgam no direito de realizar falcatruas de todo calibre, na convicção de que tudo ficará por isso mesmo, com a impunidade assegurada pelos outros, que se tornam coniventes.
Quase diariamente jornais e revistas nos dão conta dessa desgraça nacional. Lamentavelmente, esse é o estado a que chegamos!
Quem não se lembra dos anões do orçamento, um dos quais, com o produto da rapinagem, comprava bilhetes premiados, para lavar o dinheiro sujo, e teve o descaramento de dizer que foi Deus que o ajudou a ganhar 200 vezes na loteria?
Quem não se lembra do famigerado Juiz Lalau, nome que passou a ser, nas palavras cruzadas, sinônimo de refinado ladrão?
Não temos pejo de apontar tais mazelas, com a responsabilidade de quem integra uma Instituição cultural e cívica que não se curva diante do erro e da desfaçatez daqueles que não merecem a confiança do nosso povo.
É pena que eles não ouçam os nossos clamores.
Felizmente, o brasileiro é um povo dócil, de bom caráter, trabalhador e ordeiro. Não é nada dessa corja que se vê por ai, composta pelos dilapidadores da honra e do patrimônio nacional. E anseia, com grande esperança, pela catarse dessa tragédia, que causa arrepios aos homens de bem.
Mas, em breve digressão, devassando as brumas do passado, ocorre-nos lembrar, independentemente dessa situação constrangedora, que desde Moisés - o maior legislador e profeta judeu, e uma das maiores figuras da História - o inquieto gênero humano está à procura do sistema político e do modelo econômico ideais, pois nenhum deles é perfeito e livre dos desvios ardilosos com os quais se enriquecem os ambiciosos.
A mais antiga forma de governo foi o despotismo oriental. A História nos fala da Babilônia, onde imperou o poderoso Hamurabi, com o seu código e o seu governo central; e do Egito antigo, com os seus faraós, destacando-se Ramsés e Tutancamen e outros que atrelaram o poder civil a instituições religiosas. Em ambos os casos, mantiveram o povo subjugado.
Roma e a Grécia antiga, com grande aprimoramento cultural, mas ainda com a escravidão, se alternaram em regimes de cunho republicano e monárquico. Foi a idade clássica , com os grandes pensadores, como Aristóteles com a sua “Política”, e Platão com a sua “República”, obras monumentais que inspiraram as concepções democráticas.
O Velho Mundo mergulhou na Idade Média, e a partir do século lX vigorou o modelo feudal (que sucedeu ao escravismo), caracterizado pelo predomínio econômico e político de senhores privilegiados - os suseranos - sobre uma classe servil.
Na Idade Moderna tivemos os regimes de monarquia absoluta, de caráter despótico, sem parlamento, sendo a faustuosa côrte de Luis XlV - o fantástico Rei Sol - o modelo mais expressivo. A vontade do rei era a lei. Com a Revolução Francesa (1789), que pôs fim a todo esplendor de Versalhes, teve início a fase atual da Idade Contemporânea.
Havia então na França uma sociedade composta de três classes: a nobreza, o clero e a ralé. Visando a por fim a toda sorte de privilégios, surgiu então o Liberalismo - o festejado “laissez-faire” - doutrina que preconiza a liberdade individual no campo político e econômico. Baseia-se na ordem natural, que tende a estabelecer-se espontaneamente. Do ponto de vista econômico, está ancorada na lei irretorquível da oferta e da procura, sendo sacramentada por grandes economistas como Adam Smith, Malthus, Ricardo, John Stuart Mill e outros. Em termos mais simples, podemos dizer que é a economia de mercado, com ampla liberdade e livre concorrência, sem a intervenção do Estado.
Adam Smith, considerado o pai da economia política e especialmente do liberalismo econômico, nos fala da riqueza das nações, e preconiza a não intervenção do Estado em matéria econômica e o livre-câmbio.
Por sua vez, Stuart Mill, um dos maiores economistas do século 19, autor de “Princípios de Economia Política” depurou as doutrinas clássicas, mas orientou-se para uma espécie de socialismo liberal e individualista.
Entretanto, o traço essencial que distingue o Estado moderno é, em qualquer regime, a predominância avassaladora do fator econômico, ao qual se submetem todos as demais expressões do poder nacional, afetando, a seu talante, a vida das instituições, públicas ou privadas, e das pessoas, individualmente. Em termos vulgares, é o mágico e diabólico poder do dinheiro, que tende a ficar, cada vez mais, em menos mãos, assim como a água dos rios que correm para o mar. Esta é uma realidade que enseja distorções perturbadoras, e que levaram Carl Max e Friedririch Engels a desenvolverem suas teses sobre o capital e o trabalho.
A existencialista Simone de Beauvoir preconizou que o ideal é que cada qual se contente com o suficiente.
Mas os homens pecam sempre pela falta de medida. A ambição corre paralela à corrupção, que é um vício tão velho quanto a natureza humana. Sobretudo na política, o poder econômico é dominante.
Para uma análise daquelas distorções perturbadoras, a melhor definição que encontramos, lógica e simples, não foi a dos economistas tipo Delfin Neto, mas a de um romancista brilhante, André Mourois. Diz ele: “O liberalismo é em si uma doutrina excelente, e que teoricamente permanece mais ou menos irrefutável. Todavia o liberalismo, especialmente na parte de economia, tem um grande defeito: já morreu.”
Morreu o liberalismo clássico, sobretudo porque a não-íntervenção do Estado na economia facilitou a diminuição e até o desaparecimento da concorrência.
Além disso, o mundo evoluiu, em função da explosão demográfica e do desenvolvimento tecnológico.
Basta dizer que o Brasil em 1872 tinha pouco mais de 10 milhões de habitantes e hoje contabiliza cerca de 180 milhões. São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, contava então com apenas 31.385 habitantes.
Naquela época não havia automóveis, barcos a vapor, avião, nave espacial, rádio, televisão, telefone, luz elétrica, cinema, computador, radar, xérox , telefonia celular, penicilina, raio x, raio laser, a máquina de falar de Edison, a bomba atômica...
O neoliberalismo sucedeu ao liberalismo clássico, com os mesmos componentes, (economia de mercado, lei da oferta e da procura e livre concorrência no jogo das forças produtivas), mas com a intervenção adequada do Estado, no sentido de regular as atividades econômicas e coibir abusos, tendo como meta final o bem comum. É uma opção flexível, que se distancia do coletivismo.
Todavia, de boa ou má fé, ou por falta de conhecimento de seu mecanismo, o neoliberalismo tem sofrido críticas acerbas.
Sabemos que o capitalismo liberal não existe mais. Portanto, era preciso achar o meio de combinar as vantagens da propriedade privada, que parecem insubstituíveis, com as do controle inteligente. A solução não será nem comunista, nem capitalista, mas a do aproveitamento do que é válido das duas doutrinas. Da mesma forma a solução do conflito político não será puramente democrático, nem puramente autoritário.
A grande questão agora é o fenômeno mundial da globalização. O que acontece lá fora pode refletir aqui dentro, mesmo sem razão aparente. Cada País defende os seus interesses como pode. Subsídios a exportações e barreiras alfandegárias são mecanismos usados por todos.
No cenário mundial as nações ainda não encontraram uma solução equânime para os problemas maiores de ordem econômica, apesar dos projetos como o Mercado Comum Europeu, a Alca, o Mercossul e a Rodada de Doha, esta visando a diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo.
A economia política é uma ciência dinâmica e complexa, na qual nem sempre a prática segue a teoria: tudo depende do comportamento das coisas.
O Brasil, tanto do ponto de vista político como econômico, nunca foi imune às mutações que aqui e alhures são fruto da instabilidade do gênero humano. E as modas são contagiantes...
A título de especulação histórica, vejamos o que nos aconteceu. Submetemo-nos a duas colonizações: a holandesa, de curta duração, e a portuguesa, que se estendeu por mais de três séculos.
Tivemos a monarquia efêmera de Dom João Vl e os dois reinados: o de D. Pedro l, de l822 a 1831 e, passando pela Regência, o de D.Pedro ll, de 1840 a 1889.
No regime republicano tivemos duas fases: a da República Velha, tão mal fundada, de 1889 a 1930; e a da Nova, a partir de 1930;
Tivemos duas ditaduras: a do finado Getúlio Vargas, de inspiração fascista, que durou 15 nos, e a do regime militar, que chegou a 20 anos. E experimentamos dois sistemas de governo: o parlamentarista e o presidencialista.
Quanto às Constituições, desde o Império, tivemos apenas sete...
Portanto, experiências não nos faltam. E o Brasil, nesse diapasão, segue o seu destino.
Mas, voltando ao tema central, por que então festejarmos a Revolução Liberal de 1842?
Em primeiro lugar, porque foi um marco histórico da maior significação para a nossa cultura política; em segundo lugar, porque o Movimento liderado em Minas Gerais por Teófilo Ottoni teve cunho mais político do que econômico; em terceiro lugar, sua luta teve mais inspiração nacionalista do que política; e em quarto lugar, ela teve motivação tão ética quanto nacionalista.
Na mente de Teófilo Ottoni fervilhavam as idéias nacionalistas. Desde o 7 de abril de 183l, tudo lhe acenava no sentido de edificar, neste imenso Pais, uma grande e poderosa Nação. A abdicação de Pedro l sinalizava um movimento de raízes profundas. Nesse dia - considerava o serrano ilustre - o Brasil tirou o trono ao príncipe português e o devolveu regenerado ao príncipe brasileiro.
Era o epílogo da luta entre o nacionalismo que despontava e os remanescentes da dominação portuguesa. A grande questão é que não bastava a independência; era mister nacionaliza-la!
Veio a crise da vitória e muita água ainda teria que correr debaixo da ponte. Houve quem, como ele próprio, quisesse a República, mas também os que sonhavam com a restauração. Era preciso, a todo custo, extirpar o ranço da colonização. Ottoni, também abolicionista, estava convicto de que o absolutismo e a centralização administrativa são termos que se completam e identificam. Atento a tudo isso, exorcizava os maus pensamentos dos que laboravam, consciente ou inconscientemente, em desfavor do surgimento desta grande Nação.
Havia razão para isso. Tínhamos a herança da colonização predatória de triste memória...
É fato notório que a Coroa Portuguesa se interessava apenas na arrecadação do ouro e das pedras preciosas de nossas jazidas.
Isto, para sair do sufoco em que vivia, beirando a bancarrota, graças a um regime carcomido que abrigava uma nobreza decadente, que nada produzia mas, ao contrário, exauria o seu tesouro.
Portugal não tinha, de fato, nenhum interesse em desenvolver a sua mais rica colônia. Pelo contrário, até coibia as ações e iniciativas nesse sentido. Por exemplo, a legislação reinol, em alvará de 1773, proibiu a construção de estradas para as Minas, e esmerou-se em sua política contra os nossos caminhos, para insular as Gerais e combater o contrabando.
Todavia, o ouro e as esmeraldas não careciam mais que uma bolsa de couro ou de um lombo de besta. E para as bestas bastavam as picadas sinuosas.
Então, outro alvará proibiu a criação de muares na colônia, com vistas à extinção da mula, nosso primeiro meio de transporte...
Mais limitações foram impostas ao progresso da colônia. Um alvará de 1785 mandava destruir os teares existentes e impedir que outros se erguessem. E nada de promover aqui qualquer coisa que pudesse despertar o sonho nacionalista.
Registra Paulo Pinheiro Chagas - seu maior biógrafo - que Teófilo Ottoni, cedo ainda, enamorou-se da idade clássica, vendo nas instituições anglo-americanas, com sua civilização liberal e puritana, o prolongamento dos dias gloriosos de Roma.
Assim, sua formação política, voltada para a democracia e sempre contra o despotismo, moldou-se nos ideais de Jéferson, que já tinham empolgado os Inconfidentes Mineiros. Com efeito, os postulados da Revolução Americana, com seu federalismo, sua filosofia de liberdade e seu respeito à dignidade humana, vão fazer dele, entre nós, um dos seus maiores apóstolos.
Teófilo Ottoni era, antes de tudo, devotado nacionalista. Idealista como Tomas Jéferson, tinha o gênio, a eloqüencia, o sentimento, o instinto, a energia, a atividade e até as cóleras da Democracia - como disse o Conselheiro Lafaiete Rodrigues Pereira.
No campo político Ottoni foi um bravo parlamentar, que se insurgia contra costumes arcaicos portugueses e as mazelas do governo imperial.
Por isso, D. Pedro ll não o via com bons olhos. A palavra vibrante na tribuna, a pena irreverente na imprensa, a insólita intolerância com o beija-mão, as objeções contra os títulos e as condecorações imperiais concedidas aos aduladores, e a velha tradição revolucionária, de cunho republicano, do último dos “Chimangos”, iriam conspirar contra a sua convivência política com o Imperador. E este, no sistema vigente, jamais acatou os resultados das urnas que tantas vezes privilegiaram Ottoni.
A Revolução Liberal de 1842 inscreveu-se na História como acontecimento dos mais expressivos da consciência cívica desta Nação.
Sua página heróica teve lugar em Santa Luzia, em Minas Gerais. Otoni alí perdeu a batalha, quando tudo estava praticamente ganho. O gênio da guerra lhe foi adverso. Mas, os vencidos passaram da amargura da derrota à consagração dos seus Ideais, aureolados de glória.
Caindo prisioneiro, o Capitão da Casaca Branca - como era chamado - é mandado ignominiosamente, a pé e a ferros, para Ouro Preto, onde o governo pretendia impor-lhe exemplar castigo, lembrando os tempos de Tiradentes.
Há uma referência segundo a qual Caxias mostrou-se magnânimo e compreensivo, retirando as algemas do revolucionário.
Entretanto, decorrido um ano, após a prisão, o “Luzia” é levado a juri em Mariana, onde as autoridades esperavam como certa a sua condenação.
Deixado para o fim, o julgamento de Ottoni é cuidadosamente preparado, com fartas acusações e requintes de sadismo.
Eis o relato dessa cena histórica, por seu biógrafo:
O juiz que presidirá ao julgamento é instruído para, na formação dos quesitos, induzir os jurados à condenação.
A 19 de setembro instala-se o juri, no velho casarão abarrotado. O promotor recusou doze jurados, “por suas notórias simpatias pelo acusado.”
O réu entra na sala. Sereno, erecto, soberbamente tranquilo. Um pouco pálido, apenas. Não obstante, o ar guarda a velha insolência. Impassível, avizinha-se do banco dos réus, mas não se senta. E o tribunal em peso se levanta!
Sem embargo das admoestações do presidente, o tribunal conserva-se de pé, enquanto o réu não toma assento.
Ottoni não tem advogado. Ele faz a própria defesa. Não se retrata e corajosamente se confessa fiel ao lema do “Sentinela do Serro”: - “São direitos inalienáveis, imprescritíveis e sagrados, a liberdade, a segurança, a propriedade e a resistência à opressão”...
O heterogêneo conselho de sentença delibera, decifrando com maravilhosa habilidade, os enigmáticos quesitos.
E o réu é absolvido por unanimidade!
Pela terceira vez Teófilo Ottoni elegeu-se deputado, em 1848, mas a Câmara foi dissolvida, pondo fim à fase dos liberais, no poder desde 1845.
Inicia-se a outra fase do “Luzia”.
Como empresário, a grande obra de Teófilo Ottoni foi o desbravamento da imensa região do Mucuri. Basta dizer que o programa da Cia. do Mucuri foi considerado um dos maiores empreendimentos nacionais do século.
Nessa arrancada tentacular, notável foi o caldeamento de raças no Mucuri, pois Ottoni, que era abolicionista convicto e humanista, atraíra, para suprir a mão de obra escrava, emigrantes de diversas nacionalidades, como alemães, belgas, espanhóis, holandeses, italianos, libaneses, sírios e suíços, que aqui, junto com índios e negros trabalharam a terra num verdadeiro mutirão, cada qual se expressando na sua língua, até que se abrasileirassem.
Abriram estradas e fundaram povoações, notadamente a sua querida e cosmopolita Filadélfia, que hoje tem o seu nome e conta com sua Universidade Federal. É a Capital Mundial das Pedras Preciosas e, mais do que isto, a Cidade do Amor Fraterno!
E não se preteriu o direito dos índios, convertidos à civilização. Foi uma era de redenção para os nativos do Mucuri.
Sobre os índios, os primitivos donos da terra, tantas vezes massacrados ou escravizados alhures, recriminava o Chefe das Mãos Brancas, o Pogirun - alcunha dada pelos botucudos da nação Nak-Nanuks por causa das luvas brancas que usava:
Este maldito tráfico dos selvagens, mais infame que o dos pretos da África, tem sido a causa de calamidades sem número.
A tarefa ingente a que se propôs o serrano ilustre não foi um mar de rosas. Disse ele:
Arrisquei um cento de vezes a minha vida, arruinei a minha saúde e sacrifiquei os meus interesses. Foi mister sujeitar-me ao agro viver das mais inóspitas brenhas. Era somente cada ano, quando volvia ao Rio de Janeiro, que eu avaliava o insano da luta em que estava empenhado. Então, comparando as doçuras do lar doméstico com a vida agreste das selvas, confesso que me arrependia do passo temerário que havia dado. Mas de volta ao Mucuri, a imaginação predominava, e por entre os espinhos via somente flores...
Aos 53 anos de idade, Ottoni volta à política. Mas decididamente o “Luzia”, com o seu lema de “governo do povo por si mesmo”, não agradava às rodas palacianas. A partir de 1857, cinco vezes é eleito pelo povo, com a maioria dos votos, (quatro vezes à sua revelia) e cinco vezes é preterido por D.Pedro ll, ao qual cabia referendar a votação.
Lançando-se depois à luta em grande estilo, com a Circular aos Eleitores Mineiros - considerado verdadeiro Tratado de Democracia - e tendo recebido as mais eloquentes provas de seu prestígio, o último dos “Chimangos” é eleito simultaneamente três vezes: deputado pelo Rio e senador e deputado por Minas.
Preterido pelo Imperador pela última vez, como senador, o bravo serrano opta pela deputação por sua província. Foi a consagração apoteótica.
A partir de 1861, Teófilo Ottoni foi o centro de gravidade das mais altas expressões do pensamento político nacional, congregando em torno de si, essa mocidade imortal: José Bonifácio, o moço, Lafaiete Rodrigues Pereira, Francisco Otaviano, Saldanha Marinho, Pedro Luiz, Flávio Farnese, Quintino Bocaiúva, Tavares Bastos, Aristides Lobo, Rangel Pestana, Joaquim Manoel de Macedo, Salvador de Mendonça e outros.
No episódio da queda de Caxias - o vencedor de Santa Luzia - como presidente do Conselho de Ministros, por falta de maioria na Câmara, o governo resolveu nomear Ottoni em seu lugar - honraria de que ele declina com dignidade.
Em novas eleições, em 1863, Ottoni se reelege por Minas. Repetindo 1861, ele está duplamente eleito; deputado e senador do Império e, o que nunca admitira, vitalício. Por essa ocasião, sua popularidade atingiu o ponto mais alto, com a láurea de herói nacional.
O “Luzia” exerceu o cargo de senador por cinco anos, ou seja, até 17 de outubro de 1869, quando, pouco antes das ave-marias, expirou tão suavemente, como se apenas tivesse adormecido.
Segundo ainda Paulo Pinheiro Chagas, que me antecedeu na cadeira 43, neste Instituto Histórico e Geográfico, Teófilo Ottoni, tribuno e advogado do povo, não foi ministro de Estado. O líder liberal que fez presidentes do Conselho, ministros, presidentes de Províncias, senadores e deputados, não foi ele próprio ministro. O Império não o consentiu e tinha lá suas razões. O “Luzia” não era suficientemente maleável; não tinha dobradiças na coluna vertebral...
* Escritor, autor da obra “Lençóis do Rio Verde - Crônica do meu Sertão“, membro do IHGMG e natural de Espinosa/MG
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